October 24
Narcisismo
EDIÇÃO Nº23 | FEVEREIRO - MARÇO | 2014
BREVE EXCERTO
“A frieza de caracter – muitas vezes sob a capa diáfana de bonomia e convivialidade – é um traço forte da personalidade narcísica; efectivamente, empatia e compaixão é binómio estranho ao narcísico – ama-se a si próprio, ponto final; complementarmente, odeia todos os outros (ou nem sequer os chega a odiar; emocionalmente, ignora-os por completo – não existem como objectos de investimento afectivo, são coisas, não-pessoas, e coisas sem valor nem significado, a indiferença face ao outro é radical).
Para o homem comum, social e político – que ama o outro e cuida do outro –, o narcísico é (1) incompreensível, bizarro e estranho ou (2), quando reco-nhecível, abjecto; seja, não familiar, desconhecido, ou asqueroso e hediondo. Para o sábio e avisado, o narcísico – dada a sua maldade reconhecida – é perigoso.
Siderada a emoção, o narcísico utiliza toda a sua energia no investimento pessoal; forte, belo e inteligente, sobrevalorizando em regra um dos atributos (campeão de boxe, o mais bem vestido, ou, nos nossos dias, o intelectual da praça – quando, como se diz, a única suposta evidência de tal é a farta cabeleira branca adornada pelo vazio de um pensamento estéril entretido a contar os carneiros do rebanho de factos). O “inteligente” (destacando um só suposto atributo) – diz-se e diz aos outros – devora livros e bota discurso na ânsia de muito saber e colher admiração para sanar a ferida do amor não achado na primeira volta da vida (infância) e perdido na segunda (adolescência). Só que os ganhos são, por esta via, compensações e próteses – não recobram o ânimo nem aquecem o coração. A vicariância narcísica (não sou amado mas sou admirado) é uma triste substituição. Só virando o disco e tocando outra música – amar para vir a ser amado – é possível a reviravolta: a revolução do amor.“
Narcisismo
de António Coimbra de Matos