October 25
É Preciso Perceber os Contornos da Violência Doméstica
EDIÇÃO Nº30 | ABRIL - MAIO | 2016
BREVE EXCERTO
”As mulheres espancadas têm o medo colado aos pensamentos e o vazio preso ao olhar. São mulheres que vivem em prisão domiciliária, encarceradas no terror, sem que ninguém organize manifestações por elas. Em 2015 foram apresentadas três queixas de violência doméstica por hora e morreram cerca de 40 mulheres às mãos dos seus parceiros ou ex parceiros. Estes números deveriam levar-nos a reflectir sobre as razões porque muitas destas mulheres permanecem paralisadas ao lado do agressor, sem sequer apresentarem queixa. E mesmo as que apresentam, muitas vezes, depois recusam-se a colaborar com a acusação. Aliás, em 2014 só um terço das queixas seguiu para tribunal, os restantes casos foram arquivados exactamente por falta de colaboração das vítimas, segunda dados das procuradoria.
Mas como explicar este fenómeno de falta de colaboração das vitimas? As relações íntimas implicam expectativas implícitas de que de as pessoas se irão mutuamente apoiar. O amor comporta, por inerência, sentimentos de segurança. Por isso, quando acontecem os primeiros episódios de violência, estes são habitualmente interpretados como incidentes. Esta versão dos acontecimentos é reforçada pelos pedidos de perdão e pelas repetidas declarações de amor do agressor. Para muitas mulheres, o comportamento do marido é tão dissonante com a sua anterior história relacional que elas negam a sua relevância. De episódica, a violência passa a sistemática e o marido começa a associar os seus comportamentos agressivos às atitudes dela. O agressor justifica-se pela necessidade de a calar, de a punir por não saber cozinhar, por não mostrar respeito, por não ela não estar sexualmente disponível, etc.”
É Preciso Perceber os Contornos da Violência Doméstica
de Ana Cristina Silva