October 21
O Zé
EDIÇÃO Nº55 | OUTUBRO - NOVEMBRO - DEZEMBRO | 2021
BREVE EXCERTO
“Vivia a dois quarteirões de distância e vinha todos os dias jantar a nossa casa. Pontualidade britânica: às sete horas a campainha tocava e era ele. Sentava-se na sala a ver televisão ou ia para a varanda fechada brincar com as netas. À espera da refeição.
Sofria de Alzheimer. Já não se lembrava do que dissera três mi- nutos antes, mas ainda vivia sozinho, cumprindo a sua rotina com método e com uma boa disposição que não perdera, nem depois da morte da mulher.
Quando esta morrera ficámos naturalmente muito preocupados. Que fazer? Eram os dois unha com carne. Ela cuidava dele e su- pria-lhe a falta de memória. O Zé tinha-se reformado do seu mo- desto, mas famoso, estaleiro de pequenos barcos de recreio, e desde então não fazia mais do que acompanhar a mulher, como uma sombra silenciosa, ela cada vez mais gorda e lenta, ele cada vez mais magro e lento. A Arminda metia conversa com metade de Algés, o Zé sorria a seu lado, muitas vezes sem sequer seguir a conversa, porque era meio surdo.“
O Zé
De Sebastião Alves